terça-feira, 2 de agosto de 2011

Saudade

Água clara
nua e seca,
sem sabor de nada.

Mexer nas suas entranhas e
perceber seus segredos.

Como água revolta
gotas prateadas
resvalam
minha aura.

Estilhaços de tristeza
materializam a saudade,
mansa,
serena,
silenciosa.

Confortante saber
que suas águas sempre fluirão
nos meus sentimentos,
agora regados de tua
ausência . . .
ausência . . .   . . .
a – u – sê – n – ci – a  . . . . . . . . .

Marcelo Brennand  20/07/2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Amor existe, teima e persiste


Essa devocê sempre foi nossa mãe.
Profunda, sofrida, amada e querida.
Compreendendo a tudo e a todos
se transformou em puro amor.
Essa devocê nos ensinou
em um simples silêncio o amar.

Calar e amar.

E neste seu momento de paz
o silêncio nos anuncia:
O Amor existe, teima e persiste,
e agora é para sempre.

Mãe, sempre te amaremos.


Homenagem dos filhos, irmãs e irmãos,
parentes e amigos à nossa, agora eterna,
Rita Brennand

09.11.1926 - 05.07.2011

Marcelo Brennand

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Relação com Argila



Afundo os pés no barro que, submisso, se esparrama.
Percebo a docilidade dessa matéria que me atrai.
Ela brinca com os meus sentimentos.
Ela atiça os meus desejos.

Estou enredada em suas curvas,
ela me toma em suas dobras,
acaricia e negaceia __ me alucina

Eu a observo.
Em meus devaneios, me faço dócil,
me submeto aos seus caprichos,
descubro sua sensibilidade.

Ela, me espreita.
É assim que aprendo a domá-la.
Ela decalca meus gestos,
retém os meus rastros.

Me atrevo a rasgá-la,
me encanto com a fenda que o gesto deixou,
nos enredamos numa dança de bêbados.

Quem Ela?
Quem Eu?

terça-feira, 28 de junho de 2011

Chove a Cântaros


Esságua que sou mareja pelos poros das paredes de lodo verde.
Esságua que sou explode por uma fenda de rocha.
Despenco e, por instinto, procuro, ávida os caminhos dágua salgada.
Gueirreira, água-chumbo, estilhaço no alto o surdo ribombo do meu poder.
Inevitável choque. Como um espetáculo de ziguezagues mortíferos,
desabo, aguaceira que sou, com a sensação de entrega e gozo, embebida
na doçura da terra sedenta de mim, que juntas parimos a Vida.

Ritabrennand

Bosta mulher Mulher bostA


Não saberia como, nem por que
a espontaneidade do acaso.


Ao olhar a bosta, me senti olhada por ela.
As rupturas, as dobras, os sucos, as fendas...


Eu estava ali inteira à mostra,
como que despida de qualquer pudor.
Minha relação com o barro
atravessou aquele instante.
Fomos contagiados ambos.
Era a própria terra, o vento, a chuva
nos envolvendo, num torvelinho
intenso, atordoante.


Busquei com voracidade
a delicadeza de uma bosta,
a beleza de suas matérias, suas dobras.
Penetrei nos seus labirintos.
Me aliei ao inusitado de suas variedades.
Nos identificamos e nos mimetizamos.


A bosta mirou-se em mim.


Tomei-lhe as dobras, o sulco, a fenda...
A própria bosta fez-se mulher:
experimentou desejos, percebeu as cores,
embebedou-se com os cheiros.
                 Mulherou inteira!


Sentiu ânsias de amamentar.
Atordoou-se com o canto dos pássaros.
Vez primeira, sentiu o gosto da água da chuva.


                  Arrebentou-se mulher!


A bosta mirou-se em mim.
Tornei-me o estrume, misturei-me na terra fresca,
me enfeitei de moscas verdes.
Senti o calor da vida, alimentei raizames,
transmutei-me em seiva, vesti-me de verdes.
Senti a volúpia da brisa e, aqui plantada,
sou ninho, sou sombra,
me quero grávida de passarinhos.


Por não saber do meu começo,
percebi que sou contínua.
Sou como um bicho que capta.


              Só olhos, só asas,
constantemente atiçada por contatos imprevistos,
desencadeantes de pulsões, tensões,
que me levam a expandir-me ou a represar-me.


Consistir, conter, silenciar,
entrar no silêncio do ovo, fazer-me ovo,
insistir em mim a intensidade da vida.


Gerar pássaros:
só olhos,
só asas,
voar!
Pássara-te.

Minhas raízes



Quando eu nasci, aninharam-me,
aninharam-me em berço pintado de verde.
Até que enfim, veio menina!
Respirei pela vez primeira
ouro e verde.
Nasci brasileira e nordestina!

Na casa de engenho com nome de santo
(santo pobrinho!), São Francisco,
minha vó, Franscisquinha,
minha mãe, Francisca,
me deram o nome de minha
Dindinha: Rita.
Nome forte como madeira
de que cupim não gosta.

Da janela do engenho só se via
o lençol verde do canavial.
O sobrado tem tanta historia!
Cada janela é um olho.
Quantos olhos dali já olharam!...

Agora é a minha vez,
porque aqui nasci.
E é daqui o meu começo,
aqui finquei raiz.

Me criei asas e olhos.
E, de onde eu estiver,
arribo de novo neste quintal.
Me sonho de novo nesta varanda,
me molho do cheiro
dos tachos de doce,
da manhã morna,
do gosto da brisa;
revejo os bichos caseiros,
os embuás, as lagartixas,
os sapos, as caranguejeiras,
besouros e formigas...

Passarada mangueiras
pitangas cajás cajueiros

É daqui deste engenho, na Zona da Mata,
do engenho São Francisco,
que escorro de mim
meu caldo de cana caiana,
meu refresco de pitanga,
meu sumo de caju.

Agora é a minha vez,
porque daqui nasci.
É aqui o meu começo.
Aqui finquei raiz!


Ritabrennand


quarta-feira, 15 de junho de 2011

Toco a alma da Flor


Odette e Jaime
Ernest Dias
Paisagens Noturnas (2000)

Valsinha Extremosa (João Baptista Macedo)

Loucura Sã





Quero a palavra seca, vento, Solão que vara a noite, quero a palavra molhada, enverdecida. O cheiro dela, do Sol o calor dele, da chuva o grito dela, do fogo a labareda.

Bateram lá na porteira, ela olhou os pardais que voaram assustados. O vestido pintado terroso, das mãos sempre a limpar com gestos repetidos na borda da saía. Acabara de lutar com o barro, rasgava os pedaços. Tão distraída não escutou os passos do homem estacando, já tão próximo.
Ele olhava entorno sem voltar a cabeça. Girava o OLHAR, só o OLHAR. Ela captou o espanto!
Ela aprisionou aquele silêncio.
___ Um teatro? Para um teatro?
O homem sério despediu-se sujando as mãos entre as mãos barrentas dela, riram-se do descuido.

Ela varou a madrugada adentro, coração aos pulos, conheceu aquele gozo que é bem próximo de um DELÍRIO. As cores arrebentavam de seus olhos. Um teatro? Como colocar esse DELÍRIO em barro? Como fazer o barro gritar? Chorar? Sim, ao ferir o barro buscaria a dor? Um perfil branco falaria de todos os silêncios. Adoçaria com azuis a gargalhada, se houvesse. O espanto estaria presente nas máscaras em azul cobalto, os personagens todos se apresentaram. Os seus gestos escavavam com ternura, já agora suas mãos ficaram lá, já faziam parte.
Ela lembrou do OLHAR. Não precisaria mais do que um OLHAR.
O painel todo veio aos borbotões, os gritos, os sussurros, as gargalhadas, os silêncios, os gestos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Desgosto de DionisoS


Esse desgosto pede cravos vermelhos.
Nossos cravos Dionisos acorrentaram-se.
Dionisos tresloucados,
em estado contante de orgia,
entre canaviais e alambiques.
Siameses unidos pela raíz,
cravos vermelhos pela raíz unidos.

Quero morrer-te, mas morreria eu contigo.

Ah! Meu coração salvar!...
Deixar-te só com as raízes,
entregar-te ao solo cravo vermelho,
siamês partido.
Já não mais Dionisos.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Nasceu CaianA


E, como era de um costume meu,
sentei no capim, para ver o resto do sol se esconder
e, por causa do cheiro da terra, a mulher
(caroço de manga) deitou-se e sonhou...
Estava plantada, com corpo caroço de manga.
Nasceu, Cana caiana, adocicada.
Dançava com gestos da brisa,
lambida toda
do verde canavial.
Só que tinha os olhos tristes,
molhados, e não era de ovalho,
pois que eram lágrimas.
Seria levada à moenda,
em carro de boi, de boi de canga,
e lá, espremida, esbagaçada,
dela o que restaria?
Só bagaço? Não! Veriam:
o seu caldo teria os gostos,
vez do caju,
vez do araçá,
vez da pitanga!



terça-feira, 7 de junho de 2011

Encontro de peleS



Essas muitas das de mim estremeceram,
quando levantei um pouco da pele adormecida.
De onde vieram tão suadas,
coladas em um só abraço?
Era um jogo de peles peguentas, úmidas...
Colam-se descolam-se grudam-se.
E, de repente, EU, pura pele, corpo pele,
pele memória,
pele paisagens,
pele arrepios,
pele amada,
pele mutante,
pele, poros abertos, bocas e olhos,
pele prazeres,
choro de peles suores.
Rasgo-me em peles, em tantas, ultrapasso a pele.
Toco com delicadeza a alma da pele, apenas toco.
O toque tem o poder de desenhar universos.
Descubro então poderes de estornar a pele,
descubro poderes de deletar memórias,
descubro poderes de criar carapaças,
descubro o poder de redesenhar mistérios,
descubro o poder de ser casca de ovo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Corpo IntensO


Desapareço nesse som desvairado,
nesses abismos desapareço.
Me estanco o gemido do corpo,
me estanco o suor e o querer tanto,
estanco o que me escorre.

Brigo com os lobos que brigam em mim.
Desato o nó da garganta.
Agora uivo com os lobos que uivam em mim.

A mata selvagem acende os olhos
atentos, agudos,
olhos dos bichos,
olhos divagando,
olhos que não vêem,
que apenas olham, respirando.

Deixo-me alucinar pelas paisagens tantas
que me atravessam!
Entrego-me como se fosse corolas
das flores abertas.

Acho-me nas línguas doces dos felinos.

Agora quero silêncio nessa selva.
E, nesse silencioso negrume desse som,
Perder-me de mim.
Perder-me de mim.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Dei de pensar que quantas?



Uma das de mim
quer ter nome próprio,
quer ter nome seco,
como do barro das caatingas.
Nome que atire espinhos
e mate e coma.
Carcarás.      
Nome de respeito que
seja dito com chapéu
na mão.

Outra uma das de mim, essa
não faz conta de coisa nenhuma,
não conta tempo.
Vive, como se diz, no mundo da lua.
Se o vento traz poeira...
ela pensa: não choveu!
Passa a vida sem se dar conta,
sem se dar tento.
Essas de mim
vão ficando pelos caminhos.
As outras de mim nem conheço todas...
Essas de mim são contrárias,
mas faço parte
desses rostos que não são
sempre os mesmos, e brincam
de trocar os corpos...
Que lucidez que pandemônio!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Essa de mim que fomoS


Como poderíamos destruir
células tão nossas?
Os imperceptíveis olhares
que desnudavam nossos mistérios?

Nos penetrávamos com tanta intensidade...
Seres invisíveis nos atravessavam.
Nunca soubemos quais dobras
ou desdobramentos
em quais velocidades e em que tempos
aconteciamos.

Tua onda sonora nutria os meus desertos,
os meus desejos ascendiam imperceptiveis partículas
e te transmutavam em infinitas gotas.
Éramos fluidos, éramos a espuma,
éramos a brisa, éramos o ocaso do si bemol.

Então desaparecemos de nós nas galáxias.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Liberdade de olhaR




O Olhar dançava capoeiras,
gira girando,
pintava circulos que se precipitavam
espiralados, alcançado novos espaços.

O olhar era tecido de gestos azuis
que ninavam as esperanças
dos amanheceres...
Naquela hora da baixa maré,
a praia estava nua.

O olhar embrenhou-se mar a dentro,
em mares nordestinos,
cavalgou ondas,
equilibrou-se em jangadas,
entregou as velas aos ventos.

Olhava de longe a terra.
O olhar sonolento desceu as pálpebras,
protegendo a mandala verde da íris.

O olhar do olhar adormeceu.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Ela e o passarinho



Com o olhar esquecido olhou a chuva. O vento rodopiava desfolhando a jaqueira imensa. As mangueiras como que bailando, retorciam os galhos mais tenros.
Os pássaros adoidados, procuravam ninhos. O cheiro da terra suada.
A chuva grossa caía!

Um pardal caiu do ninho, um passaritinho de nada, só bico, estava nu, os olhos ainda fechados. Trânsido de frio.
Ela fez um berço de papel picado, macio, e o dia todo como só as fêmeas sabem fazer, alimentava aquele bico faminto.

Começa ali, seu < aprender passarinho > ela nada sabia de fome, sabia sim, que o bico aberto, esperava alguma lagarta moída. Mas, não viria.
Amassou e umedeceu a ração para pintos, uma quase papinha leve, e ofereceu... observou... o passarico alimentado ficou tranqüilo, dormiu.

Agora, aquela coisinha abria o bico, e ela começou a perceber os sinais. Comia, dormia, batia um toco de asa, se rebolava mal jeitoso... se preparava.
Cresceu rápido o passarinho, agora era dono do quarto dela, voava solto. Se empoleirava nos livros, se aninhava nos potes de barro, vezes muitas se escondia. Deu de pular em seu ombro, se aninhava em seus cabelos, puxava os fios, desaparecia em seu coque, aquietava-se.

Ela tinha um pássaro grudado nela, à quem pertencia, como um ninho pertence à um passarinho... ela ria... o que pensa ele que sou? Uma árvore, sua árvore preferida, a sua árvore que andava, quantas vezes ela gozava desse afeto doce, tanto amor num simples passarinho. E assim os dias se passavam, ele... fazia parte...

Mas um dia... que susto! Desce do monjolo um pardal, pousa na gaiola sem fundo, pousa na graminha, juntos, saltitavam por ali, era um macho, só então percebeu, a sua era uma femeazinha. Voaram juntos! O coração aflito, a gaiola deserta, o alpiste! A sua menina voltou algumas vezes, bicava seus cabelos, aninhava-se.

Ela sentia o seu corpinho quente, pesadinho, conversavam, diziam-se saudades.
Começou catando gravetos e fiapos, sumia. Na árvore, bem ao lado da porteira, já agora uma família, teceram um ninho. Ela cuidava, para que não faltasse o chamego e espalhava alpiste na graminha, na gaiola sem fundo tinha sempre água fresca.

Ela esperava... no tempo certo... lalairilalá... ninana nará!!!
SOU AVÓ PÁSSARINHO!!!

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sorvendo BacH



Então essa DIMIN me pegou de surpresa!
E, como se fosse um tigre, senti meus pêlos
quentes, as listras de um negrume intenso.
E com tal voracidade, a vontade de saltar
em teu pescoço, te morder mansamente,
sentir o teu prazer, te enrolar e lamber o teu suor,
teu sal. E a minha língua doce, quente,
te adormecendo, fazendo suaves as minhas garras.
E depois te olhar, simplesmente te olhar,
um olhar de tigre como quando se é dono!

Na selva Bicho!

terça-feira, 17 de maio de 2011

O momento e o clima de quando nasceu Criação

Eles viajavam num sábado. Uma chuvinha fina, chuvinha criadeira.
Ela pensava no momento da chegada à fazenda. O cheiro do curral, misto de leite, estrume, a terra molhada e o hálito quente do gado de leite.
Ela aspirou fundo o cheiro doce da vida.
O silêncio dele dava tempo para que em turbilhão... como num vendaval...
As imagens aquietaram-se, e numa espécie de bebedeira, os olhos se fecharam.
Mas... não mais que de repente, uma voz firme cortou o ar.
Um corte rápido, quase um estupro na paz daquela tarde.


___ O que vale o seu trabalho de arte? Arte não se vende!


As poucos foi ficando lenta de pensamento e a OUTRA conivente se instalou.


Pegou a caneta, abriu a agenda do curral e sem nem saber o que sentia rabiscou lenta e tortuosa a lágrima da surpresa.
Passou a mão na testa como para lavar o último perfume da chuvinha fina.
As asas partidas deixou na estrada, os azuis já esmaecidos, a lágrima contida não escorreu.


Descobriu a linha RETA, RACIOCINADA, não em paralela mas em CUBOS e enquanto ia se apequenando viu-se de cubos ao cubo cercada até que em negro ponto sentiu-se, era ENERGIA contida CONCENTRADA.

terça-feira, 10 de maio de 2011

CriaçãO


Estava tão conivente com o cubo
que me encubei numa tarde molhada.
Encubada, teria mais tempo pra mim.
Já não cabia a idéia solta, descentrada.
Previ a cabeça enquadrada.
Liguei com o olhar os pontos dos cantos
com linhas retas raciocinadas.
Teci por horas a fio,
E vi-me de cubos ao cubo cercada.
Até que, em negro ponto, senti-me.
Sou energia, contida, concentrada.


                 Estou à espera do big-bang.

O Ovo


Entrar no silêncio do ovo
e ficar.
Um tempo grande sem consciência.
Entrar no silêncio do ovo
e ficar,
penetrar no mais profundo do tempo.


Há muito tempo pressinto
o branco.
Sou um ovo
com um pingo de luz.
Me reinicio em branco,
asas, azul-virgem-sonoras,
pois o azul eu escuto.


Escutar o silêncio e nele
buscar os sons mais tranqüilos,
como os sons do ovo,
enquanto germina.
Entrar no silêncio do ovo,
decidir-se ovo
de um espaço novo,
maduro para nascer.
Em que mundo?
Em que paisagens?
Quero um novo Sol, não este.
Estou à procura de luz própria.


O mistério está atento o tempo todo
dentro do ovo
onde estou
em estado de espera.
Nem é tão fácil nascer.
Quero escolher, coar, colher
o sumo que trago em mim,
entrar no silêncio do ovo,
ficar em estado de ovo,
sentir a esperança do ovo...
Saber-se ovo é poder ruminar,
recriar-se... ovo... ovo... ovo...


Do ovo onde estou é cedo para nascer.
Estou me parindo aos poucos.
Quero doer, pulsar, gemer, rasgar,
quero sentir o arrepio do mistério
do não ser ainda!


E, porque quero, decido:
sou mangueira mulher,
mas não darei frutos.
Vou esperar as chuvas primeiras,
para me enfeitar de ovos.
Me quero grávida de passarinhos.


Sou passarada, revoada!!!

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Rio



Então ainda um pingo,
semente de rio.
Um fio d’água,
um risquinho molhado,
aguinha trêmula,
enfezada, indecisa.

De dentro de um rasgo invisível,
de um rochedo dobrado em si,
prega de um talho no granito

Escorre em lágrima

Um instinto milenar
Uma teimosia ancestral
Suga os tecidos úmidos da terra

Córrego entre margens contido
menos que um rio, peleja, escava,
se assanha, rola fazendo espuma
burila arredonda seixos
cresce, aprendiz..

Gerado, parido, nutre a vida.
Berço, raízes, cardumes,
ele mesmo estrada e viajante,
rasga, delira em fuga,
irmana-se aos que afluem.

S’espraia contínuo.
Em volutas barrocas,
brinca com os ribeirinhos,
joga-se em piruetas molecas
tropeça despenca em  cachoeira.

Avoluma-se.  
Agora faz parte da geografia
Batizado em língua Tupi
Orgulhoso corre o Rio
bem comportado, passeia
entre velhos sobrados

Mascara-se com a lama dos mangues
É folião no bloco dos caranguejos
Na quarta feira de cinzas
Acabada a bebedeira...
Oh euforia! Sente o gosto do Sal
O rio acorda... Já era Mar.