terça-feira, 28 de junho de 2011

Bosta mulher Mulher bostA


Não saberia como, nem por que
a espontaneidade do acaso.


Ao olhar a bosta, me senti olhada por ela.
As rupturas, as dobras, os sucos, as fendas...


Eu estava ali inteira à mostra,
como que despida de qualquer pudor.
Minha relação com o barro
atravessou aquele instante.
Fomos contagiados ambos.
Era a própria terra, o vento, a chuva
nos envolvendo, num torvelinho
intenso, atordoante.


Busquei com voracidade
a delicadeza de uma bosta,
a beleza de suas matérias, suas dobras.
Penetrei nos seus labirintos.
Me aliei ao inusitado de suas variedades.
Nos identificamos e nos mimetizamos.


A bosta mirou-se em mim.


Tomei-lhe as dobras, o sulco, a fenda...
A própria bosta fez-se mulher:
experimentou desejos, percebeu as cores,
embebedou-se com os cheiros.
                 Mulherou inteira!


Sentiu ânsias de amamentar.
Atordoou-se com o canto dos pássaros.
Vez primeira, sentiu o gosto da água da chuva.


                  Arrebentou-se mulher!


A bosta mirou-se em mim.
Tornei-me o estrume, misturei-me na terra fresca,
me enfeitei de moscas verdes.
Senti o calor da vida, alimentei raizames,
transmutei-me em seiva, vesti-me de verdes.
Senti a volúpia da brisa e, aqui plantada,
sou ninho, sou sombra,
me quero grávida de passarinhos.


Por não saber do meu começo,
percebi que sou contínua.
Sou como um bicho que capta.


              Só olhos, só asas,
constantemente atiçada por contatos imprevistos,
desencadeantes de pulsões, tensões,
que me levam a expandir-me ou a represar-me.


Consistir, conter, silenciar,
entrar no silêncio do ovo, fazer-me ovo,
insistir em mim a intensidade da vida.


Gerar pássaros:
só olhos,
só asas,
voar!
Pássara-te.

2 comentários:

Antônio Carlos disse...

Continue Rita, Continue...
Suas palavras são VIDA!!!!

carla disse...

Rita B!